“Como comprovar o abandono afetivo?”
A demonstração do abandono afetivo em âmbito judicial apresenta-se como um intrincado desafio, uma vez que se busca materializar a negligência de um dever imaterial: o afeto. Diferentemente do abandono material, facilmente verificável pela ausência de provisão de necessidades básicas como moradia, alimento e vestuário, o abandono afetivo reside na lacuna do suporte emocional, na falta de presença ativa, atenção dedicada e demonstrações de carinho, elementos cruciais para o desenvolvimento psicológico saudável de crianças e adolescentes.
O sistema legal brasileiro, embora não criminalize explicitamente o abandono afetivo como um tipo penal específico, reconhece a sua gravidade e admite a possibilidade de reparação na esfera cível. A Carta Magna, em seu artigo 227, impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever inalienável de assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, o direito à convivência familiar e comunitária, protegendo-os de toda forma de negligência. Este dispositivo constitucional alicerça a responsabilização civil por abandono afetivo, sublinhando a grande importância do afeto e da presença para o pleno desenvolvimento individual.
O Código Civil, no artigo 1.634, inciso II, por sua vez, disciplina o poder familiar, atribuindo aos pais, entre outras responsabilidades, a de manter os filhos em sua companhia e guarda. A interpretação doutrinária e jurisprudencial deste dispositivo tem evoluído para abranger não somente a guarda física, mas também a dimensão emocional da guarda, o dever de cuidado e afeto. A inobservância deste dever essencial configura o abandono afetivo.
Para a instrução processual, a comprovação do abandono afetivo demanda a apresentação de um conjunto probatório consistente, capaz de evidenciar a ausência injustificada de afeto e cuidado por parte do genitor. Não se trata meramente de alegar a inexistência de sentimentos; é imperativo demonstrar, por meio de atos concretos, o descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Entre os meios de prova admissíveis, destacam-se:
- Depoimentos testemunhais: Declarações de familiares, amigos, educadores e outras pessoas do convívio da criança ou adolescente podem corroborar a tese do abandono afetivo, relatando situações de ausência ou negligência por parte do genitor.
- Documentos diversos: Mensagens eletrônicas, correspondências, fotografias e vídeos podem ser utilizados para ilustrar a falta de contato, a ausência em momentos significativos da vida do filho, ou a manifestação de descaso e desinteresse.
- Avaliações psicológicas: Laudos elaborados por profissionais de psicologia podem atestar os danos emocionais sofridos pela criança ou adolescente em consequência do abandono afetivo, como quadros de baixa autoestima, ansiedade, depressão, entre outros.
- Histórico escolar: O desempenho acadêmico deficitário, o absenteísmo escolar e os relatos de dificuldades de relacionamento podem ser indicativos do sofrimento emocional provocado pelo abandono.
É crucial enfatizar que a comprovação do abandono afetivo não se restringe à ausência física do genitor. Um pai ou mãe pode estar fisicamente presente, mas simultaneamente negligenciar as necessidades emocionais do filho, caracterizando, igualmente, o abandono afetivo. A análise do caso concreto deve abranger a totalidade das circunstâncias, buscando identificar se houve um reiterado descumprimento dos deveres de cuidado, afeto e amparo emocional.
A jurisprudência brasileira tem consolidado o entendimento da possibilidade de indenização por danos morais em casos de abandono afetivo, considerando o sofrimento e os prejuízos psicológicos infligidos à vítima. Contudo, cada caso é único e a decisão judicial considerará as particularidades da situação, a gravidade do abandono e as provas apresentadas. A busca pela reparação judicial não tem o objetivo de substituir o afeto perdido, mas sim de atenuar o sofrimento e conscientizar sobre a importância do papel parental na vida dos filhos.
Em síntese, a comprovação do abandono afetivo exige a demonstração de uma conduta omissiva persistente por parte do genitor, que acarrete danos emocionais relevantes ao filho. O arcabouço legal brasileiro, fundamentado na Constituição Federal e no Código Civil, oferece instrumentos para a responsabilização civil por essa forma de negligência, visando assegurar o direito fundamental à convivência familiar e ao desenvolvimento integral da criança e do adolescente.
Como comprovar o abandono afetivo?
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